A empresa de tecnologia Mark 2 Market (M2M) acaba de receber autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para funcionar como Central Depositária de Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). A aprovação pelo colegiado do órgão foi noticiada há pouco pelo Valor PRO. A M2M é a primeira e entrar no mercado de serviço de depósitos de títulos, hoje oferecido apenas pela B3 e abre um precedente para que novos competidores disputem esse serviço.
Foram mais de dois anos e meio de processo para atender a todos os requisitos exigidos para a função e receber o aval do órgão regulador. Só no processo de autorização a empresa investiu R$ 1,5 milhão com advogados e as burocracias necessárias. Outros R$ 1,5 milhão estavam previstos para serem gastos para colocar a depositária no ar.
“O nosso diferencial não será no preço, mas no nível de serviço e produto. Vamos colocar esse negócio de depositária no século 21. Hoje é um mercado monopolista e com clientes insatisfeitos e que veem a relação de custo/benefício como péssima. Queremos agregar serviços, trazer informações relevantes para cliente”, disse Rodrigo Amato, fundador da Mark 2 Market, em uma entrevista concedida antes da autorização ser formalizada pela CVM.
A empresa já tem experiência e clientes no mercado de CRA – seus softwares, vendidos para empresas emissoras desse tipo de título de dívida, reúnem um emaranhado de informações sobre os papéis para ajudar a Tesouraria das empresas na gestão das operações financeiras e controle de risco. É possível visualizar informações sobre a dívida, como nota de crédito (rating) das emissões, controle de obrigações financeiras, variação do preço unitário dos papéis, juros cobrados nas parcelas, amortizações, nível de inadimplência, derivativos, entre outras.
Segundo Amato, quase metade do mercado de CRA já usa seus sistemas para controlar a dívida. A empresa atende também securitizadoras, mas o segmento corporativo é seu forte. Atende, por exemplo, clientes como CCR, Localiza, Suzano e Burger King.
“Já atendemos grandes emissores de mercado de capitais; auxiliamos clientes a controlarem R$ 270 bilhões em títulos. Nós queremos plugar o serviço de depósito de papéis ao nosso sistema para dar mais inteligência à ferramenta e aproveitar da base de clientes”, disse o executivo, que criou a Mark 2 Market, como empresa de tecnologia, em 2010.
Com as novas funcionalidades, a empresa quer ainda aumentar o acesso de pequenas empresas do agronegócio ao mercado de capitais, um público que pode trazer um volume importante de novas emissões.
“Nossa proposta é trazer eficiência ao mercado. Vamos acabar mostrando para a B3 e o mercado que dá para fazer muito mais com o serviço de depositária. O fato de quebrarmos o monopólio já gera melhor nível de serviço de prestação de serviço. Enxergamos o nosso espaço justamente pela inovação e, associado a um mercado que é lucrativo, de margens altas, isso explica por que entramos nessa briga”, disse o executivo.
Na apresentação feita à CVM, a M2M estima que, considerando como exemplo uma emissão de CRA de R$ 50 milhões, é possível que os custos de emissão caiam de 2% ao ano hoje para 1,3% ao ano no futuro. Além disso, sustenta a empresa, com a maior transparência de dados sobre o mercado, a taxa do título pode cair de 7,5% para 6,5% ao ano. Ao agregar tecnologias e reduzir burocracias o tempo necessário para fazer uma emissão também pode ser reduzido de cinco para até dois meses.
Por ser algo novo no Brasil, onde só uma empresa atua antes mesmo da regulação do setor ser escrita, o processo demorou mais tempo do que a M2M previa. A expectativa era ter o OK da autarquia até janeiro deste ano. Mas, no meio do caminho o processo precisou ainda receber o aval do Banco Central, já que a M2M vai usar os serviços da CIP para fazer o serviço de liquidação financeira das operações.
A CIP é uma associação integrada ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) que tem como clientes os setores bancário, de fundos e de crédito e está sob a supervisão do BC. Até então, não atuava no mercado de CRAs. “Há algumas empresas atuando como registradoras de títulos, mas nós somos a primeira depositária de títulos; a barra é bem mais alta para conseguir a aprovação”, disse Amato.
Enquanto a registradora é responsável apenas por registrar a operação (similar ao que o cartório faz), a depositária é responsável pela guarda das posições. Se uma pessoa comprou uma ação da Petrobras, a depositária precisa garantir que essa ação é da pessoa que a comprou, e não mais do antigo dono.
No mercado de registradoras, outras empresas são BBCE (Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia), no segmento de energia, CERC (Central de Recebíveis S.A.), especializada em recebíveis e no segmento de FIDCs (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) e a Certa (Central de Registro de Títulos e Ativos), criada em 2018 pela um grupo de bancos brasileiros de pequeno e médio porte para atuar como registradora do setor.
Hoje, quando uma empresa decide emitir uma dívida, os assessores da emissão – bancos e escritórios de advocacia – escolhem o custodiante, que são geralmente os próprios bancos, e a depositária dos títulos. Como só existe a B3 no mercado brasileiro, não há muito o que discutir. As informações sobre a emissão são passadas à securitizadora, que estrutura o papel. A partir daí as distribuidoras (corretoras independentes e de bancos) se encarregam de vender os títulos a investidores.
Títulos como CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários), CRA, debênture (título de dívida corporativa), ação e letras financeiras, que são negociados em bolsa, precisam, além do registro, também o serviço de depósito, ou seja, precisam de alguém que garanta a propriedade do investidor.
Para títulos de emissão bancária, como LCI, LCA e CDBs, o depósito não é obrigatório – a grande maioria fica sob a mesma titularidade até o vencimento.
A B3 não divulga, mas a estimativa é que cerca de um quarto das receitas da bolsa vêm desse serviço de depósito.
É nele, inclusive, que a B3 garante seu diferencial diante da entrada de uma nova bolsa de valores no Brasil, a ATS. Em dezembro do ano passado, a B3 e a ATS chegaram a um acordo sobre uma longa disputa que envolvia justamente o pedido de acesso à central depositária da B3 e a cobrança de um preço mais em conta pelo serviço de transferência de ativos.
Hoje a M2M não poderia prestar esse serviço porque, por ora, só atuará no mercado de CRA, onde tem experiência. Mas está nos planos da empresa partir para outros ativos futuramente.
A empresa planeja captar mais investimentos mais adiante junto aos atuais sócios e outros investidores, brasileiros e estrangeiros, para alçar voos mais altos, como entrar no mercado de CRIs, debêntures e derivativos e, no futuro, ações.
“Em algum momento poderemos ser depositária de ações, dependendo, claro, do regulador, mas esse serviço está em previsto em nossos planos”, diz Amato.